quarta-feira, 25 de março de 2015

Ativistas marcham por vítimas da ditadura na Argentina



 Folhapress


MARIANA CARNEIRO BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - 

A divisão política na Argentina manifestou-se mais uma vez nas ruas de Buenos Aires ontem. No dia em que o país relembra os 30 mil desaparecidos vítimas da ditadura militar, dois protestos separados ocuparam o Centro da capital. Os grupos se dividiram entre os que apoiam o governo Cristina Kirchner e os que são críticos à sua política. Os primeiros marcharam às 14h em um ato liderado pelas Avós da Praça de Maio. Militantes dos movimentos políticos La Cámpora e Kolina, que apoiam Cristina, participaram da manifestação. Às 17h, o segundo grupo, liderado por grupos socialistas e entidades que defendem os Direitos Humanos, esperavam sua vez de marchar pela mesma Avenida 25 de Maio até a praça do governo. Os movimentos têm marchado separado nos últimos anos. Em 2013, militantes do La Cámpora e do Partido Operário chegaram a trocar empurrões na Praça de Maio. Os apoiadores de Cristina sustentam que foi por iniciativa do então presidente Néstor Kirchner que os crimes da ditadura passaram a ser investigados e punidos. Esta, então, passou a ser uma bandeira de seu governo. "Meu tio foi o 106º neto das Avós da Praça de Maio a ser localizado, em 2012. Desde então, viemos todos os anos no 24 de Março para agradecer o que este governo fez por nossa família", afirma Ana Lia Burgos. O tio dela, Pablo Gaona Paiva, foi sequestrado com os pais quando tinha um mês de idade. Ele foi criado por uma família amiga de militares, e seus pais nunca mais foram localizados. Hoje, Pablo milita no Kolina, mas Ana Lia diz que não é filiada a nenhum grupo político: "Não nos pagaram nada para estarmos aqui." O 24 de março se tornou feriado na Argentina em 2002. Neste dia, em 1976, os militares argentinos anunciaram o golpe de Estado que os permitiu ficar no poder até 1983. Os argentinos aproveitam a data para lembrar as vítimas da repressão militar e para cobrar que responsáveis sejam punidos. Verônica Quinteros, do movimento Liber Pueblo, diz que participa dos protestos do Dia da Memória desde antes de 2002. Ela e seu grupo aguardavam o fim do evento oficialista para seguir o trajeto até a Praça de Maio. "Essa é uma marcha histórica, que existe há pelo menos 20 anos", disse a manifestante. "O governo Kirchner, quando chegou ao poder, nada mais fez do que se apropriar de uma bandeira que já era do povo." Segurando a foto de desaparecidos políticos, Verônica condena a adesão dos movimentos sociais ao governo. "As Avós da Praça de Maio estão sendo usadas por este governo", afirma. "Em Santa Cruz [província de onde vieram os Kirchner], nunca houve uma marcha pelos desaparecidos, nada." A principal crítica ao governo é que Cristina nomeou, como chefe do Exército, um militar acusado de ter envolvimento com um desaparecimento da ditadura. César Milani era tenente na época e supostamente teria acobertado o desaparecimento do soldado de Rioja Alberto Ledo. O processo ainda está correndo na Justiça. Em discurso na Praça de Maio, Estela de Carlotto, a líder das Avós da Praça de Maio, leu um documento em que cobra a responsabilização também de civis que apoiaram o regime militar. Ela disse esperar que, em 2016, os movimentos possam caminhar juntos no 24 de março, apesar de suas diferenças políticas. De olho nas eleições presidenciais de outubro, Carlotto exortou a plateia a prestar atenção em qual projeto de país escolherá nas urnas. Ele teceu elogios a programas do atual governo e fez referências ao discurso nacionalista, próprio de Cristina, mas evitou falar em candidatos. Logo após seu discurso, um locutor pediu que os militantes deixassem a Praça de Maio para abrir lugar aos "companheiros de outra marcha".