sexta-feira, 14 de março de 2014

Entrevista com Mário Frota sobre o Dia Internacional do Consumidor


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O presidente de Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC),  Mário Frota, falou sobre o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor Consumidor, que será comemorado neste  dia 15.
Temas comuns, também ao consumidor brasileiro, como a necessidade de ampliar a educação para o consumo; a melhoria nos serviços públicos e o endividamento dos consumidores foram abordados na entrevista concedida ao Jornal i (www.ionline.pt).
JORNAL i: Com a crise os direitos dos consumidores têm sido postos em segundo lugar?
Mário Frota.: Com efeito, tem havido, entre nós, uma autêntica desconsideração pela “Carta de Direitos do Consumidor”. E pelo que tal postura representa, na fragilidade das medidas e na efetividade da tutela dos direitos em concreto. 
A atitude do Estado perante uma qualquer política de consumidores é algo titubeante, já que nem sequer consta do programa de Governo (originalidade de censurar) e se traduziu desde logo nas indefinições, tardiamente superadas, quanto à tutela: surgiu tarde e a más horas no Secretário Adjunto e do Desenvolvimento Regional, passou, muito depois, com a extinção da pasta, para o Secretário do Turismo e, mais tarde, veio a assentar no Secretário Adjunto da Economia. Quando noutros Governos já esteve nas mãos de um ministro, no seio da Presidência do Conselho de Ministros.
No plano do poder local, a política de consumidores constitui invariavelmente o “elo mais fraco”, quer pelo descaso a que se assiste, em geral, fruto de uma insensibilidade “que dói”, quer pelo abandono (com honrosas excepções, bem entendido...) de uma intervenção consequente em prol dos consumidores, com o “desinvestimento” nas estruturas e nos convênios estabelecidos, sacrificados a pretexto de dificuldades econômicas, abandonados à sua sorte, pois, com os reflexos negativos daí emergentes.
O “Fundo de Cauções”, por exemplo, que deveria ser empregue no reforço do decadente “movimento de consumidores” tem sido desviado dos seus objetivos com a afetação dos meios nele consubstanciados a entidades que nada têm que ver com as escassas estruturas autênticas, autônomas e genuínas que operam no segmento da defesa do consumidor... Parece haver exatamente o propósito de condenar às galés as estruturas que se consagram a estes objetivos, distraindo meios para acudir a “associações” outras que “nada têm que ver com o quiosque”, passe a expressão.
E isto parece escapar aos responsáveis, a despeito das nossas continuadas e, quiçá, impertinentes advertências.
J.i: Considera que ainda há muito a fazer nesta matéria?
 M.F.: Desde logo, temas como os da promoção dos interesses, a saber, o da educação para o consumo (a introduzir de vez nas escolas...) como o da informação do consumidor (pelo reforço das estruturas municipais e intermunicipais e pelo recurso ao serviço público de radiodifusão áudio e áudio visual) são em absoluto ignorados. Depois, porque há que ter menos leis (condensando-as, compilando-as, codificando-as...), mas melhores leis (simples, “descodificadas”, acessíveis), estruturas da administração central e local mais bem dotadas e aptas a servir o consumidor em primeira linha, autoridades de regulação mais atuantes (menos tolhidas na sua “casca”) e uma melhor quadrícula de meios alternativos de resolução de litígios de consumo (que sirvam congruentemente o país como um todo).
J.i: Qual o setor que precisa de mais alterações neste momento?
M.F.: Carecemos instantemente de intervenções específicas no quadro dos serviços públicos essenciais (água, energias, comunicações eletrônicas e seu alargamento aos transportes públicos, à saúde, à segurança), onde os atropelos são manifestos, na atividade das instituições de crédito e sociedades financeiras que esmagam clamorosamente os consumidores (vide o que ora ocorre com as comissões bancárias que dispararam exponencialmente, num esmagamento que é preciso travar de modo decisivo e corajoso...), nos seguros, nos contratos com cláusulas ostensivamente abusivas, nos preços e na especulação, na segurança de produtos e serviços e no mais que quotidianamente se observa.
J.i: Deveria haver uma intervenção por parte do Governo nesta matéria?
 M.F.: O Governo tem a “batuta” nas suas mãos e não pode escusar-se de intervir, quer no saneamento do ordenamento legislativo (criação de um Código de Contratos de Consumo - com um livro dedicado em particular aos Serviços Públicos Essenciais –, de um Código Penal do Consumo, de um Código do Agro-Alimentar, de um Código de Processo Colectivo...), quer na definição e constituição de Serviços Municipais de Consumo e dos Conselhos Municipais, quer ainda num rearranjo dos meios alternativos tanto para a gestão das reclamações como da resolução de litígios (mediação e auto-composição, julgados de paz e tribunais arbitrais de conflitos de consumo, estes, escassos, embora, não convenientemente potenciados...).
Há um mare magnum de problemas com que nos debatemos... Força é que disso se tenha consciência e torrentes de ânimo para os enfrentar e resolver!


Fonte: Procon SP