sábado, 5 de outubro de 2013

O dia em que os posseiros expulsaram os jagunços


HISTÓRIA

Reprodução / João Urban
Reprodução / João Urban / Levante dos Posseiros expulsou os jagunços que aterrorizavam os colonos nas cidades do Sudoeste do ParanáLevante dos Posseiros expulsou os jagunços que aterrorizavam os colonos nas cidades do Sudoeste do Paraná
LEVANTE


Dando um basta na violência de que eram vítimas, posseiros do Sudoeste do Paraná organizaram um levante expulsando as companhias de terra e tomando as cidades
Gazeta do povo/DIEGO ANTONELLI

Um ponto de interrogação pairava sobre os moradores do Sudoeste do Paraná na década de 1950. De um lado, companhias de terra os forçavam a comprar, por meio de notas promissórias, lotes em que os colonos já residiam. De outro, havia a garantia do governo federal de que eles detinham a posse do território.
Jagunços contratados pelas companhias de terra transformaram a região em um verdadeiro rio de sangue. Os posseiros que se negassem a comprar a terra que, em tese, já pertencia a eles, eram vítimas de uma violência inimaginável. Meninas e mulheres foram estupradas, crianças e jovens apanharam de corrente. Também houve chacinas com dezenas de mortes.
Reprodução / João Urban
Reprodução / João Urban / As notícias se espalharam rapidamente. Em Francisco Beltrão, o médico Walter Pecoits leu um manifesto na rádio convocando os colonos a tomarem a cidadeAmpliar imagem
As notícias se espalharam rapidamente. Em Francisco Beltrão, o médico Walter Pecoits leu um manifesto na rádio convocando os colonos a tomarem a cidade
Política
O segundo governo de Lupion intensificou a violência
Quando Lupion retornou ao governo do Paraná em 1957, a disputa pela posse das terras se acirrou. “De 1952 até o início de 1956, a situação havia acalmado”, conta Iria Zanoni. Com seu retorno ao poder, as companhias de terra voltaram a cobrar a “dívida” do governador. Forçaram os posseiros a comprar uma terra que já estava habitada. Caso os moradores não aceitassem, os jagunços contratados pelas companhias atuavam de forma violenta.
“Houve muita violência contra os colonos, como invasão de residências, destruição de plantação, incêndios em casas e benfeitorias dos colonos, assassinatos de trabalhadores rurais”, assinala o professor de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Ângelo Priori.
Ele ressalta que a revolta iniciou no momento que os posseiros tiveram suas posses contestadas. “Como as companhias colonizadoras não queriam cumprir com os contratos assinados com os colonos e dar a escritura definitiva da propriedade da terra, começaram a organização desses colonos, com a ajuda de profissionais liberais da cidade, como médicos, advogados e religiosos”, completa Priori.
Documentário
O documentário A Revolta, dos diretores Aly Muritiba e João Marcelo Gomes, traz em aproximadamente 50 minutos imagens e histórias que marcaram a Revolta dos Posseiros. Viabilizado pelo programa DocTV, o documentário foi veiculado nas televisões públicas brasileiras entre 2010 e 2011.
Com entrevistas de diversas pessoas que viveram o Levante, a obra busca trazer visibilidade ao tema. “Queremos suprir uma lacuna nos livros de História, que nem sempre contam com detalhes esse episódio”, diz Muritiba. Foram mais de 100 horas de filmagem para editar A Revolta. O filme está disponível gratuitamente na internet no site http://vimeo.com/70502016.
Cansados de conviver em uma terra de ninguém, os posseiros se rebelaram. Afinal, já fazia quase nove meses que atos bárbaros dos jagunços estavam presentes na vida da população. Muitos desses homens já tinham experiência em atos truculentos. Segundo Iria Zanoni Gomes, autora do livro 1957 – A Revolta dos Posseiros, a maioria deles era egressa do sistema prisional Ahú, de Curitiba. “Eles andavam com um sobretudo longo e sempre armados”, comenta.
A fuga de João
Um dos casos emblemáticos foi o assassinato da família de João Saldanha entre os dias 4 e 6 de outubro de 1957, na cidade de Ampére. Como ele não queria comprar a terra das companhias, os jagunços cercaram sua casa. Ele conseguiu fugir com um dos filhos. Porém, sua mulher foi abusada sexualmente e depois executada junto com outro filho de 8 anos. Uma menina de 5 anos foi morta com uma adaga. A casa, incendiada.
Nenhuma das mortes era investigada pela polícia, já que as companhias exerciam forte influência política.
No dia 9 de outubro de 1957 começou o que ficou conhecido como Levante dos Posseiros. Há 56 anos, os moradores de Pato Branco organizaram um movimento popular para expulsar as companhias de terra. Os posseiros tomaram a sede da prefeitura da cidade.
Seis mil posseiros se dirigiram à sede do poder municipal rasgando documentos de quem havia comprado as terras da companhia. A reação em cadeia estendeu-se a outras cidades, como Capanema, Santo Antônio do Sudoeste, Barracão, Verê e Dois Vizinhos. Prefeitos e chefes de polícia chegaram a ser presos pelos posseiros.
Diante da situação, o Exército foi obrigado a intervir e obrigou que os jagunços saíssem imediatamente do local. A partir do dia 14 não havia sinal algum das companhias de terra. Apenas em 1961, o governo federal desapropriou as terras e no ano seguinte titulou 56.917 lotes, concedendo aos posseiros a propriedade da terra. “Foi um dos raros conflitos que os posseiros saíram vencedores”, ressalta Iria.
Disputa
Terras litigiosas deram início do confronto
O conflito que deixou marcas profundas na Região Sudoeste do Paraná teve início ainda no fim do período Imperial do Brasil. A pesquisadora Iria Zanoni Gomes lembra que dom Pedro II havia concedido pedaços de terra do sudoeste paranaense a uma companhia férrea como forma de pagamento por uma construção da ferrovia que ligaria Itararé (SP) ao Uruguai. Já na República, essa área foi transferida para o grupo Brazil Railway.
No governo de Getúlio Vargas, na década de 1940, iniciou o projeto Marcha para o Oeste, que buscava integrar as áreas mais afastadas do país. O projeto pretendia colonizar regiões praticamente desocupadas, próximas de fronteiras. O Sudoeste do Paraná se enquadrava, já que está próximo de países como Argentina e Paraguai.
“Os colonos vieram do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e moraram na Colônia Agrícola General Osório [Cango], construída pelo governo federal”, conta Iria.
Com a ocupação, os gaúchos e catarinenses ganharam a posse da terra, mas não o título da propriedade. Para piorar a situação, a companhia férrea brigava pelos direito à propriedade.
No entanto, na primeira eleição de Moisés Lupion ao governo do Paraná (1947-1951), ele havia realizado um acordo com três companhias de terra. “Elas haviam financiado a eleição de Lupion e ele deu aquelas terras às companhias como pagamento. Mas as terras estavam em litígio. Não tinha, de fato, um dono”, ressalta Iria
.