sábado, 23 de março de 2013

A última vitória de Leminski, o Samurai


Livro com a obra do poeta Paulo Leminski chega às listas dos mais vendidos do Brasil e surpreende até editora

ALBERTO BOMBIG

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Paulo Leminski (Foto: Divulgação)
Em 1986, eu cursava o terceiro ano colegial em Ribeirão Preto (SP) e era um dos poucos da classe a ler, de verdade, os livros obrigatórios das listas dos vestibulares. Por causa disso, cheguei certa noite ao bar que nós estudantes frequentávamos e fui chamado até a mesa do professor de literatura. “Rapaz, você que gosta de livros, senta aqui com a gente”, disse o mestre. “Quero te apresentar um colega que leciona história lá no Paraná e é um grande poeta e escritor”, prosseguiu, enquanto eu esticava o braço em direção a um sujeito meio careca, de bigodes e óculos. 
O sujeito em questão era Paulo Leminski (1944-1989), que acaba de ter toda a sua produção poética reunida em um único livro, lançado pela Companhia das Letras. O lançamento já conquistou o mérito de recolocar a poesia brasileira nas listas dos livros mais vendidos, algo raro em tempos de Cinquenta Tons de Cinza e suas muitas variações. Esse sucesso de Toda Poesia – Paulo Leminski (412 páginas; R$ 38,00) vem gerando comemorações entusiasmadas entre leitores apaixonados por ele e pela literatura nacional. Muitos enxergam no feito um sinal divino de que ainda existe vida inteligente no mundo dos best- sellers.
Mas será que o sucesso da antologia é tão surpreendente assim? Significa que a poesia voltará a ser um gênero em alta no Brasil? Para tentar responder a essa pergunta, volto à noite de 1986, quando pedi um chope e fiquei assistindo à dupla tomar vodka como se fosse água. Matei meu chopinho, dei umas risadas e caí fora. No dia seguinte, corri à única boa livraria que Ribeirão Preto tinha naquele período atrás de alguma coisa do bigodudo tomador de vodka. Ouvi do balconista o famoso “Tem, mas acabou”. No ano seguinte, porém, comprei a primeira edição de Distraídos Venceremos, da editora Brasiliense. O livro me acompanharia para sempre, assim como a glória de ter me sentado à mesa com Paulo Leminski.
Ao longo das últimas décadas, tive contato com praticamente todo o resto da bibliografia de Leminski, mas quase sempre nas mãos de proprietários orgulhosos, como o poeta e escritor Joca Reiners Terron, que em post recente em seu blog contou sua experiência com a obra do poeta.Quatro anos depois, com Leminski já morto, adquiri La Vie en Close, também pela mesma editora. Em termos de produção poética de Leminski, esses dois exemplares foram o que consegui. E tive sorte, porque ambos saíram de catálogo nos anos 1990 e se tornaram, junto com Caprichos & Relaxos (1983, também pela Brasiliense), mosca branca nos sebos do Brasil. 
Minha história pessoal serve para mostrar que havia, desde os anos 1990, uma demanda reprimida pelo poeta. Ainda assim, a editora afirma que mantinha expectativas mais modestas em relação ao lançamento. “Foi uma grande surpresa para a Companhia esse sucesso todo do Leminski. Fizemos uma tiragem inicial de 5 mil exemplares – o que já era um pouco a mais do que costumamos fazer. Essa tiragem já saiu praticamente toda distribuída da gráfica. O livro já está na 3ª reimpressão – isto é, 19 mil exemplares impressos. Estamos bem felizes com isso”, diz Clara Dias, assessoria da Companhia das Letras.
O mais curioso é que, apesar de ausente das prateleiras, Leminski foi se tornando cada vez mais popular, cada vez mais pop. Em 2009, uma exposição em homenagem ao poeta esteve entras as mais visitadas do Itaú Cultural, em São Paulo. Sem falar na internet, onde Leminski é, disparado, o poeta brasileiro com o maior número de páginas e citações. E não se trata de um daqueles casos em que um determinado autor é “redescoberto” por crítica e público tempos depois de sua morte. Caprichos traz poemas famosos, com que o leitor já deve ter topado por aí, na blogosfera, nos muros da cidade ou toalhas de botequins. Como este:

Quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.


Em “Distraídos Venceremos”, mais sucessos:

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
.

E são justamente esses dois livros, acrescidos de raridades como “Quarenta Clicks Curitiba” (1976) e “Winterverno” (2001), que garantem importância à edição da Companhia das Letras, que conta ainda com textos sobre Leminski e sua obra.
Além de poeta, Paulo Leminski Filho também foi prosador, tradutor. Seus primeiros poemas foram publicados em 1964, na revista Invenção, do grupo concretista paulistano dos irmãos Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos e de Décio Pignatari (1927-2012). Em outras frentes, no entanto, atuou como letrista de música popular, professor de cursinho, redator publicitário e lutador de artes marciais. A mistura entre o apuro formal dos concretistas e a marginalidade dos poetas dos anos 1970 encontrou nele sua mais afinada e perfeita voz. Ele também esmiuçou a produção poética oriental e, junto de Mario Quintana (1906-1994), foi o mais profícuo autor brasileiro na arte do haicai, o poema curto oriental. Por causa dessa paixão, ficou conhecido entre seus fãs, amigos e colegas como o “Samurai da poesia”.
Num dos textos que este lançamento apresenta como “bônus”, a ensaísta Leyla Perrone-Moisés o define como o “samurai malandro”. “Leminski era transcultural: polonês, caboclo e japonês, malandro e samurai, provinciano e internacional”, afirma. Nada mais atual e vibrante na era da “globalização”, do “mundo sem fronteiras” e do “multiculturalismo”. Desde seu primeiro livro, Leminski parece ter descoberto um jeito novo de entregar às massas finos biscoitos, livres das gorduras acadêmicas, ideológicas e parnasianas, porém repletos de sabor.
Conforme observa de maneira certeira o próprio Joca: “A poesia do Leminski sempre teve jeito para best-seller. Segundo consta, Caprichos & Relaxos, a edição da Brasiliense, vendeu 18 mil exemplares, número expressivo independentemente do gênero. Seus livros seguintes pela mesma editora tiveram carreira semelhante, com várias edições seguidas. Creio que não era de se esperar outro resultado da reunião de sua poesia completa”.
Antes de ser tratado como uma vitória de um gênero literário, “Toda poesia” deve ser visto como a vitória de um “gênio literário”, que misturou sua vida com sua obra. A publicação corrige uma falha no mercado editorial brasileiro.